O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), é categórico ao afirmar que a presidente Dilma Rousseff (PT) irá vetar o novo Código Florestal que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 25 de abril. “A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão”, assegura o petista nesta entrevista ao Sul21.
Pepe garante que o texto não permanecerá intocado. “O Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um veto total, ou um veto parcial”, comenta.
O ministro considera que há dois extremos nesse debate: o dos ruralistas que somente querem flexibilizar a legislação e o dos ambientalistas que defendem o que ele chama de “conservacionismo elitista”. Pepe diz que o governo federal não está comprometido com nenhuma dessas duas agendas.
Nesta entrevista ao Sul21, o ministro fala também sobre as perspectivas para a reforma agrária no país e critica a proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere responsabilidade sobre a titulação de terras indígenas ao Congresso Nacional.
“Além de anistiar grandes desmatadores, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande”
Como o senhor avalia o texto do novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados?
A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão. Parte do texto final aprovado é consenso entre Câmara e Senado. O texto do Senado é muito mais equilibrado, mas algumas coisas aprovadas representam avanços importantes. Há uma legislação bastante protetora para aquilo que não foi desmatado. As disposições permanentes têm pontos muito positivos. E tem um capítulo inteiro sobre a agricultura familiar que é importante que seja preservado.
Se o veto for total, zera todo esse avanço. Mas também há aspectos extremamente negativos, como a parte que previa a recomposição de áreas de preservação que foram devastadas. Queremos que haja recomposição e admitimos que ela tenha diferenciações. O agricultor que possui até quatro módulos fiscais não pode ter o mesmo tratamento de quem tem 400 módulos. Defendemos que até quatro módulos fiscais haja diferenciação nas exigências de recomposição de reserva legal.
O Senado também tinha entendido assim, mas a Câmara botou isso a perder. Além de anistiar grandes desmatadores, o que é inadmissível, e prever que não haverá recomposição nenhuma em determinadas áreas de preservação permanente, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande.
Então o texto final terá artigos vetados pela presidente?
O Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um veto total, ou um veto parcial. Há dois extremos nocivos a esse debate. O primeiro é o polo que defende as piores práticas agropecuárias, é a turma da motosserra. Mas no outro polo, há um ambientalismo que defende um conservacionismo elitista. Não entendem que a parte ambiental precisa estar ligada à inclusão social de assentados, de quilombolas, de comunidades de povos tradicionais e de pequenos agricultores.
Não concordamos com esse conservacionismo elitista que desconsidera a dimensão social vinculada à ambiental. Esse ambientalismo conservador e elitista não é o nosso horizonte. Queremos denunciar esse tipo de gente, que muitas vezes está a serviço de interesses daqueles que querem mercantilizar a natureza, colocando papeis financeiros para especular na Bolsa. Aí os países em desenvolvimento se limitam a vender serviços ambientais enquanto as nações ricas podem desmatar e comprar esses papeis de serviços.
O senhor assumiu no dia 14 de março. Quais são as metas do ministério para este ano?
A prioridade é fortalecer os instrumentos de apoio e fomento à agricultura familiar. Dos 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, cerca de 4,3 milhões são unidades produtivas de agricultores familiares. Elas representam 84% dos estabelecimentos e ocupam 74% da mão de obra no meio rural. Há propriedades familiares já bem desenvolvidas e inseridas no mercado, com capacidade de comercialização e produção, mas que precisam do nosso apoio. E há também as propriedades que ainda estão em desenvolvimento.
Que tipo de apoio o governo federal dá a esses produtores?
Queremos fortalecer os instrumentos de acesso a crédito, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que tem financiamento para custeio de safra e para investimentos. Há também os instrumentos de apoio à comercialização. Queremos consolidar a Rede Brasil Rural, que é uma plataforma eletrônica que viabiliza que as cooperativas e associações de produtores cadastrem seus produtos.
Já temos mais de 400 cooperativas cadastradas e um universo grande de fornecedores de insumos participando. Além disso, queremos fortalecer a assistência técnica da extensão rural, que é muito importante para o desenvolvimento produtivo das propriedades. E há os programas de garantias de preços mínimos, que são importantes para dar estabilidade a essa parcela de agricultores familiares que já está numa situação desenvolvida ou em desenvolvimento.
E que tipo de assistência pode ser dada às famílias que tentam chegar a esse estágio?
Há uma parcela da agricultura familiar que vive na extrema pobreza. Para isso temos o programa Brasil Sem Miséria, que é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Como metade das 16 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza vivem no meio rural, uma parte do programa fica sob nossa responsabilidade. Estamos antecipando todas as metas de 2013 para 2012.
São metas de atendimento a famílias com assistência técnica diferenciada e continuada, e um subsídio de fomento para atividade produtiva com fornecimento de sementes. Começou ano passado no Nordeste, mas vamos atender também o Sul e o Sudeste, desde que os estados entrem com a assistência técnica. No Rio Grande do Sul, por exemplo, já acertamos com o governo. Nossa meta era atender três mil famílias, mas o Estado nos disse que tem condições de atender 6 mil famílias.
Como estão as demarcações e desapropriações para a reforma agrária no país?
A reforma agrária é um instrumento de combate à extrema pobreza no campo. A agricultura familiar tem um papel importante no projeto nacional de desenvolvimento, porque distribui melhor a renda, ocupa mais gente no campo e produz 70% dos alimentos no país. Criou-se a ideia que só o agronegócio exporta e é responsável pela balança comercial brasileira. O peso do setor agrário nas exportações brasileiras foi de 36% do total exportado em 2011. Nesse montante, 28% é relativo à agricultura familiar na base.
Temos que pensar em uma estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar para que ela exporte ainda mais. Há um grande mercado a ser conquistado nos Estados Unidos e na Europa. Segmentos das classes médias e altas desses países querem comprar produtos feitos de forma justa e sustentável. Países com menor capacidade estão ocupando esse nicho.
E como estão as demarcações de terras atualmente?
Não temos contingenciamento de recursos orçamentários para obtenção de terras. Temos condições de executar todo o orçamento – previsto em R$ 106 milhões. Já liberamos R$ 200 milhões em Títulos da Dívida Agrária (TDAs) para que o Incra possa encaminhar o pagamento de decretos de desapropriação. Liberamos também R$ 44 milhões para pagamento de benfeitorias de imóveis cujas TDAs já estavam lançadas. Só com essa liberação, já atendermos 11 mil famílias. Estamos mudando o processo para fortalecer a infraestrutura dos assentamentos, começando pela moradia.
Historicamente, a moradia entrava no crédito de habitação do Incra. O valor era R$ 15 mil por família, com três anos de carência e 17 anos para pagar. Mas temos o Minha Casa, Minha Vida, que financia residências no valor de R$ 25 mil e tem 96% de subsídio. Não há por que não colocarmos esse programa nos assentamentos. Iremos atender melhor e o assentado irá gastar menos. Aceitamos discutir com os movimentos sociais do campo uma nova metodologia do crédito de instalação. Estamos debatendo uma melhor maneira, não formatamos nada ainda, mas vai haver uma mudança.
Queremos também levar os programas Água Para Todos e Luz Para Todos para dentro dos assentamentos. Não há por que o Incra assumir o financiamento dessas infraestruturas se existem programas que podem arcar com esses custos. Com isso o Incra pode usar seus recursos para priorizar outras questões fundamentais.
Como conciliar a realização de novos assentamentos com a melhoria dos já existentes?
Tem anos que assentaram 100 mil famílias, mas davam terra sem infraestrutura. Temos um passivo social a ser resgatado. Há assentamentos que se desenvolveram, exportam e possuem tecnologia aplicada. Mas há um número expressivo de assentamentos com famílias que vivem na linha da pobreza. O Estado brasileiro, ao longo da história, assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza. A estratégia do Brasil Sem Miséria é recuperar as estruturas desses locais. Vamos reconhecer que assentados da reforma agrária também são cidadãos que precisam ter acesso aos programas do governo federal. Não podemos achar que só o Incra tem responsabilidade de resolver essas questões.
“A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas”
O MST diz que o governo federal possui um teto de até R$ 100 mil para desapropriações de terras. Os Sem-Terra alegam que isso faz com que 90% das propriedades permaneçam intocáveis.
Não há nada que defina a existência de um teto de R$ 100 mil. Mas é verdade que, quando se vai desapropriar uma terra, o custo dela interessa. Quando o poder público vai desapropriar uma área para construir uma escola ou fazer um projeto habitacional, o preço da terra é levado em consideração. E, eventualmente, se a terra é muito cara, se opta por outro lugar. Na reforma agrária não pode ser diferente. O valor por hectare e o custo por família assentada são elementos importantes. O administrador precisa zelar pelo princípio da economicidade. Isso não significa dizer que se vá deixar de comprar terras. Mas também não iremos comprar terras que custem R$ 30 mil por hectare. Assim como não iremos comprar uma propriedade que custe R$ 2 mil por hectare e jogar as famílias num local onde não há estrada, água ou luz. É preciso bom senso.
O que encarece o custo das desapropriações?
Há um processo de encarecimento do preço da terra no Brasil. Precisamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que questiona a medida provisória que estabeleceu que os juros compensatórios de uma terra desapropriada seriam de 6% e não de 12% – fixados por uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Nenhum fundo de investimento remunera a esse valor. O Judiciário brasileiro estabelece juros compensatórios numa desapropriação de terras que remunera muito mais do que qualquer aplicação no sistema financeiro. É possível especular muito mais tendo uma terra desapropriada do que no mercado financeiro. Isso é um absurdo. O governo, há muitos anos, fez uma medida provisória fixando os juros em 6% e houve uma Adin que foi acolhida pelo STF em caráter liminar.
Continua-se pagando juros compensatórios de 12% e o julgamento do mérito é aguardado há mais de 10 anos. Isso impacta o orçamento do Incra. Quando o proprietário de uma terra não concorda com a avaliação do Incra, o Judiciário demora cinco anos para decidir quanto é o preço de uma terra desapropriada. Nesse meio tempo, o governo fica pagando 12% de juros compensatórios. É óbvio que isso diminui a capacidade do Estado brasileiro de desapropriar áreas para fins de reforma agrária. O orçamento não é um elástico que pode ser esticado. Precisamos que o Supremo julgue essa Adin. Se a taxa Selic está em 9%, por que os juros compensatórios são 12%?
Qual sua posição sobre PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional a titulação de terras indígenas?
A PEC 215 é uma reação dos setores mais retrógrados e conservadores que querem impedir o reconhecimento por parte do Estado brasileiro dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Temos uma posição contrária a essa PEC e defendemos a constitucionalidade do decreto que regulamenta a demarcação e o reconhecimento dos territórios quilombolas, que está sendo julgado pelo STF. A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas.
Há também a PEC do trabalho escravo, que propõe o confisco das propriedades que utilizem mão de obra escrava.
Queremos que seja aprovada. O trabalho escravo é uma abominação. Quem utiliza trabalho escravo na produção precisa ter suas terras desapropriadas para que elas cumpram uma função social.